Qual a grande diferença entre aquela “multidão” e os norte-coreanos que assistem aos desfiles militares em Pyongyang e choram a morte de seus líderes? Entre a “multidão” de Watertown e os muçulmanos que bradam seus fuzis e queimam bandeiras dos EUA quando se esfalfam de júbilo diante de uma embaixada estourada por um carro-bomba?
Eu digo qual é. As camisetas Hollister da “multidão” de Watertown e seus iPhones gravando tudo para logo depois pingarem os vídeos no YouTube. Os iPhones são os fuzis.
Acompanhei o noticiário nos últimos dias quase que exclusivamente pelos canais americanos de notícias. É espantoso como a imprensa de lá (não, não é a imprensa venezuelana) tem seu trabalho controlado pelas autoridades, que empurra suas versões oficiais e não abre sequer a possibilidade de serem feitas algumas perguntas. Ninguém contesta nada. O que as autoridades dizem é a verdade. Ponto.
Pois eu faria várias perguntas. Oito dias depois, ainda as tenho... e não vi nenhuma delas respondida. Posso ter perdido alguma coisa, e se vocês tiverem respostas, digam aí quais são. Mas cuidado com as fontes. Tendo a não acreditar em quase nada que vem de lá. Mas como a torrente de informações e “informações” é permanente, pode ser, sim, que tenha perdido algo crível.
O que ainda não sei, pois:
1. Onde está a tal SUV Mercedes que teria sido roubada pelos garotos da Chechênia? Quem é seu proprietário? Alguém falou com ele? Os meninos disseram ao dono, realmente, que eram os responsáveis pelas bombas? A troco de quê diriam isso? Numa cidade/região monitorada por câmeras a cada esquina, por que não apareceu nenhuma imagem desse carro sendo conduzido pelas ruas em fuga?
2. Os dois garotos, segundo as autoridades, foram perseguidos pela polícia. Houve tiroteio e granadas lançadas. Outras bombas atiradas. Sabemos o contingente que a polícia americana desloca para qualquer ocorrência. Como é que o menino de 19 anos conseguiu fugir ao cerco? A pé? Como assim? Se escondeu onde? Como é possível demorar tanto para encontrar um garoto de 19 anos que estava cercado pela polícia?
3. O que é que os meninos chechenos estavam fazendo no MIT na noite de quinta-feira? Por que é que não fugiram da cidade depois de explodirem as bombas? Terroristas de verdade ficariam batendo perna pela cidade onde cometeram seus atentados por qual motivo? Há alguma explicação para isso? Se você explodisse uma bomba nos EUA ficaria na cidade? Não teria um plano de fuga? Não sumiria? Por que atiraram num policial no campus? Não há imagens desse confronto no campus da universidade, monitorado por câmeras em todos os cantos?
4. Falaram, no início, que os meninos assaltaram uma loja de conveniência. Depois, que não houve assalto algum, e que foram apenas vistos na tal loja num posto de gasolina. O que aconteceu de verdade, afinal? Como é que aquelas imagens surgiram tão rápido, logo depois de serem divulgadas as fotos dos suspeitos?
5. Os meninos moravam, segundo as autoridades, num pequeno apartamento em Cambridge. O que foi encontrado lá? A Globo, domingo, mandou um repórter ao prédio. O cara subiu as escadas e chegou à porta do suposto apartamento. Que estava fechado apenas com um cadeado. Como assim? A residência de dois perigosos terroristas não está isolada, não tem nem um agente na porta, não tem uma fita daquelas onde se lê “crime scene”? Qualquer um vai lá, sobe e dá uma olhada? Ninguém impede?
6. A família chechena foi para os EUA há uns dez anos. Os pais voltaram para a Rússia há um ano, é isso? Assim, do nada? Largaram os meninos lá? E eles viviam de quê? Trabalhavam? Recebiam dinheiro do governo?
7. O Suspeito #1 tinha esposa e filhos. Onde está essa moça? É americana? E os filhos? Alguém falou com ela? Onde vive?
8. No dia das explosões, as autoridades (e a imprensa) informaram que outras bombas foram encontradas e desarmadas. Onde? Quantas? Estavam nas mesmas mochilas? Havia outras mochilas? Eles foram filmados carregando várias mochilas? Há vídeos nos locais dessas supostas bombas que mostram os suspeitos passando por lá? Os meninos passaram a manhã espalhando mochilas pela cidade, é isso?
9. O que aconteceu exatamente na biblioteca JFK? Ninguém mais fala dela? Primeiro, era uma bomba. Depois, não era mais. E então?
10. Acharam o Suspeito #2 escondido dentro de um barco. Rendido e ferido, de acordo com as autoridades. Todo ensanguentado. E o que foi aquele tiroteio todo? Se ele estava tão ferido, como reagiu? Atiraram em quê, afinal? Há perfurações de bala no barco? O menino estava armado com quê? Com tudo aquilo de tiro, como é que ele não morreu? Ficou ferido bem na garganta? Porque assim não consegue falar?
11. Há imagens de um cidadão sendo preso pelado, em plena saúde. No início, tinha sido identificado como o Suspeito #1. Depois disseram que não era ele. Quem era o peladão, afinal? Desapareceu? Era ele o Suspeito #1? Foi preso inteiro e depois morreu? Não está faltando alguma explicação aí?
12. Como morreu o Suspeito #1? As fotos que circulam na internet são reais, do corpo ferido e arrebentado? Ele foi atropelado pelo irmão? Foi baleado? Reagiu aos tiros com quais armas? Tinha granadas e bombas? Onde estão elas? Alguém na vizinhança viu esse embate?
13. Por que ninguém do governo americano se manifestou sobre a cada vez mais documentada presença de agentes da Craft, uma empresa privada de segurança formada por ex-militares e mercenários, na cena das explosões? O que aqueles caras todos estavam fazendo lá?
As fotos são falsas? Se são, por que ninguém vem a público para negar sua veracidade?
14. Os garotos chechenos são tratados quase o tempo todo como “suspeitos”. Se são suspeitos, é porque não existe certeza de que cometeram os atentados. Certo? Mas no dia da prisão do segundo menino, o presidente dos EUA e as autoridades policiais afirmaram em cadeia nacional que “acabou” e que a população de Boston e arredores podia dormir tranquila. “Pegamos eles.” Se acabou, é porque as autoridades não consideram a hipótese de terem sido outros os autores dos atentados, concordam? Sendo assim, eles não são suspeitos. São culpados. Culpados sem uma investigação? De onde vem a certeza de que os suspeitos não são suspeitos, mas sim os culpados? Do fato de que foram fotografados carregando mochilas? Todos que carregavam mochilas em Boston naquele feriado, assim, deveriam ser suspeitos, não?
15. Em quais condições o Suspeito #2 foi preso, realmente? Como foi ferido? Se está em estado grave, como é que consegue responder “por escrito” às perguntas do FBI? Quem está acompanhando esses interrogatórios? Qual certeza se tem de que o menino está de fato respondendo alguma coisa? Alguém vai ter acesso a essas respostas “por escrito”? Alguém vai ter acesso a esse rapaz um dia? Ele vai poder falar sem ser aos interrogadores do FBI? Cadê a liberdade de imprensa, com tanta coisa escondida pelas autoridades?
Como não tenho resposta para pergunta nenhuma, tudo que posso dizer é que é tudo muito esquisito. Um dos casos mais esquisitos de todos os tempos, e não sou só eu quem pensa assim. Em termos menos, digamos, eloquentes, o
colunista Clóvis Rossi levanta algumas questões na “Folha” de hoje, também.
Só sei que depois de Boston ninguém mais fala das ameaças de guerra nuclear que a Coreia do Norte estaria preparando para dar cabo ao planeta. E surge não se sabe bem de onde a notícia de que os generosos americanos estão dispostos a
mandar alimentos para os famélicos norte-coreanos — que, sabe-se lá por quê, são considerados famélicos pelo Ocidente; mas, até onde se sabe, não estão pedindo comida para ninguém. E o Congresso americano começa a ser pressionado pela
mídia conservadora para mexer nas leis de imigração.
É um mundo muito esquisito, o nosso. A única certeza é que ele gira.